A Epístola Hodierna #01 — A epístola do Andrew Garfield

João Victor Campos
8 min readDec 28, 2021

Meus amigos mais próximos sabem que existe um fenômeno que acontece comigo de tempos em tempos. Por mais que eu anteriormente tenha dito inúmeras vezes que não, eu sou sim muito intenso com as coisas que eu gosto. Nível obcecado. Sempre que eu descubro ou redescubro algo que me agrada mais do que o normal, eu só consigo pensar nisso por dias e dias sem parar.

E isso me acontece desde pequeno. Meus pais contam que quando eu tinha uns 2 ou 3 anos de idade, eu era completamente obcecado pelo desenho do Pica-pau. Eles contam que eu só queria assistir a esse desenho e nada mais me satisfazia. Logo depois, veio a fase Toy Story. Tudo para mim era relacionado ao filme (mais especificamente ao Woody, meu personagem favorito). Tive aniversário temático, tive diversos brinquedos dos personagens (inclusive, tenho até hoje um do Woody em tamanho real que ganhei com uns 5 anos de idade), só queria brincar de faz de conta com os personagens do filme e por aí vai.

Eu poderia ficar parágrafos e mais parágrafos falando sobre as minhas obsessões da infância como Ben 10, Dragon Ball Z e ele, o Homem-Aranha, o meu super-herói favorito. Ah, eu também poderia falar sobre as da adolescência também, que contém um vasto grupo de bandas, séries e filmes. É possível até mesmo falar que a profissão que eu escolhi para mim, o jornalismo, funcionou de maneira parecida, mas isso não nos levaria a lugar nenhum.

O que eu quero dizer é que, talvez, toda essa minha intensidade com as coisas que me impressionavam funcionava (ou melhor, funciona) como uma válvula de escape. Toda vez que eu mergulho de cabeça em alguma coisa ou alguém, eu praticamente esqueço dos meus próprios problemas e da minha realidade atual. Por alguns minutos, eu estou tão “dentro” daquilo que estou lendo, ouvindo, pesquisando que eu consigo me desligar do mundo ao redor. Podemos levantar diversas questões aqui sobre o quão saudável isso é ou não, mas não quero nesse momento.

Uma consequência dessas “obsessões” que também consigo perceber deste a minha infância é como elas alteravam a minha maneira de ver o mundo e, principalmente, de me portar nele. Diversas vezes eu incorporava características, gostos, trejeitos e desejos daqueles personagens que eu gostava tanto. A lógica meio que era: se aquilo servia para eles, também deveria servir para mim. Pensamento justo, não? Acredito fielmente que essas misturada de referências moldou em parte a pessoa que eu sou hoje, com os meus próprios gostos e opiniões.

Tem horas que eu acho meio assustador o quanto a cultura que eu consumi na minha vida influenciou nas minhas decisões. Como eu poderia saber que um desenho que assisti quando criança teria tanta importância assim? Era para ser só um entretenimento, não?

Outra característica minha é que sempre fui apaixonado por musicais e tive algumas “obsessões” por vários deles durante a vida (estou falando de você, High School Musical… Ou seria sobre você, Lemonade Mouth? Com certeza de você, Glee). Tem algo ali naqueles mundos fantasiosos em que as pessoas expressam seus sentimentos em forma de danças e canções que faz o meu coração interagir de maneira diferente. Sempre me impacta muito mais do que um filme/série só “falado”. Deve ter algum estudo científico que explique o porquê de canções impactarem muito mais do que um simples texto. Acredito que a junção de texto mais melodia/harmonia seja imbatível para mim.

E no dia 19 de novembro desse ano (se você está lendo esse texto sem ser em 2021, saiba que estou falando de 2021) foi lançado o filme musical “Tick, Tick… Boom!”, dirigido pelo meu querido Lin-Manuel Miranda e protagonizado por aquele que dá o nome a esta epístola hodierna, o Andrew Garfield.

E após eu terminar de assistir ao musical (que é um filmaço que me impactou demais e talvez eu escreva sobre ele qualquer dia), meio que me veio um questionamento: Caraca, como será que está o Andrew Garfield atualmente? Será que ele continua tão “descolado” quanto eu lembro que ele era? E pronto: dias depois, lá estava eu vendo todos os filmes que ele fez e me entupindo de várias entrevistas dele, preso em um vórtex infinito de conteúdo chamado YouTube.

Meu contato inicial com o ator deve ser parecido com o de várias pessoas, que assim como eu o conheceram através de “O Espetacular Homem-Aranha”, de 2012. Nessa época, eu já era muito fã do personagem graças às histórias em quadrinhos lidas e aos filmes do Sam Raimi com o Tobey Maguire na pele do amado Peter Parker. E como em todas as demais coisas de que eu era fã, o “teioso” já havia influenciado várias coisas na minha vida, principalmente porque sempre o vi como um modelo a ser seguido.

Porém, foi com o Andrew Garfield que pude ver pela primeira vez o meu super-herói favorito na tela do cinema. Lembro até hoje da sessão que peguei no Cinemark do Plaza Niterói com a minha tia, durante as férias de julho de 2012, para ver O Espetacular Homem-Aranha (lembro também do ar condicionado super gelado da sala e do fato de eu estar sem casaco). Hoje eu consigo perceber vários defeitos no filme, mas na época saí completamente maravilhado com o que tinha assistido. Por causa disso, vivi umas das minhas fases mais obcecadas pelo Homem-Aranha e a tudo relacionado a este filme. Foi nessa época que aprendi a andar de skate (coisa que faço muito mal até hoje, admito) e a querer me vestir igualzinho (afinal, sejamos sinceros, o Peter Parker do Garfield era super descolado e estiloso para um jovem de 2012, não?).

Outra memória que eu tenho é ter gostado muito de uma música específica que toca em uma cena do Peter andando de skate e fazendo acrobacias com os poderes que tinha ganhado recentemente. Eu já sabia que era alguma música do Coldplay, porque a voz do Chris Martin é sempre muito reconhecível. Eu era fã da banda, já tinha ouvido os grandes sucessos, porém eu não fazia ideia de qual era aquela música (também admito que não tinha ouvido todos os discos deles para realmente me declarar como fã).

Foi aí que eu descobri ‘Till Kingdom Come, a minha música favorita deles até hoje. Claro que a música foi ganhando significados e memórias atreladas com o passar do tempo para se tornar a minha favorita da banda, mas eu tenho certeza que ouvi pela primeira vez durante o filme. Mais uma vez digo: não é bizarro o fato de um simples filme visto com 12 anos ter feito eu conhecer a música que eu mais gosto de uma das bandas que eu mais ouvi na minha vida?

Voltemos ao Andrew Garfield: é claro que eu também fiquei obcecado por ele na época. Fui atrás da história dele, dos filmes que ele já tinha feito antes (e assim descobri o maravilhoso “A Rede Social”, que só fui entender de verdade anos depois), do que ele gostava e do que não gostava. Eu queria muito saber como ele via o mundo e se eu poderia ver o mundo daquela maneira também. Afinal, eu queria ser tão maneiro e “descolado” quanto o Andrew Garfield me parecia ser (o cara namorava a Emma Stone, né?).

Uma das coisas mais interessantes que encontrei nessa busca recente pós-“Tick, Tick… Boom!” foi uma entrevista em que Garfield se emociona ao falar sobre a perda da mãe dele recentemente, mostrando uma maneira bonita e singela de se ver o luto. Segundo ele, a dor que nós vivemos quando estamos de luto é todo o amor sentimos, e que muitas vezes não conseguimos declarar para a pessoa a tempo, perseverando em nossas vidas (fica aqui o link para quem quiser ver).

Descobri também que ele virou um low profile total, fugindo das redes sociais ao máximo (mas também admite que possui algumas contas secretas nas redes para não ficar totalmente desligado do mundo) e que ele é muito reservado em tudo relacionado a vida pessoal dele depois da enxurrada de exposição midiática que teve na época em que era o Homem-Aranha. Também fiquei sabendo das séries que ele gosta, dos álbuns de 2021 que ele mais ouviu (ele é superfã do Lil Nas X) e mais uma quantidade enorme de conhecimento inútil que provavelmente nunca vai ser utilizado.

Então, depois de tanto pesquisar, eu finalmente paro e me pergunto: por que eu quero tanto saber sobre a vida do Andrew Garfield em pleno 2021, tendo tanta coisa melhor para ficar sabendo? Será que alguma parte de mim ainda acredita que se eu souber como o Andrew Garfield virou o Andrew Garfield, eu conseguiria aplicar isso na minha própria vida? Por que a gente se importa tanto com certos artistas e celebridades?

Até que cheguei em uma série de questões mais difíceis de serem respondidas: Será que existe uma maneira de transformar o meu eu atual, que muitas vezes eu desgosto mais do que gosto, em alguém interessante a ponto de existir uma pessoa totalmente desconhecida por mim que seja interessada em mim da maneira que eu me interessei anteriormente e atualmente pelo o Andrew Garfield? Da onde parte esse desejo inconsciente? É o desejo de ser interessante ou simplesmente um desejo de fama? Até que ponto isso é saudável ou não? Haja terapia.

É importante lembrar que tudo o que eu conheço sobre o Andrew Garfield é o que ele mesmo e a mídia deixaram eu conhecer. A gente nunca tem a totalidade dos fatos de outra pessoa. Como não sou alguém próximo a ele, não sei e nem tenho como saber quem ele realmente é como pessoa no seu cotidiano. Pode ser que ele seja tão maneiro quanto ele aparenta ser pelas entrevistas e etc, como também pode ser simplesmente uma pessoa que sabe se “vender na mídia” e, no dia a dia, ele seja tão ordinário e sem graça como nós, seres mortais que não somos famosos/artistas. Talvez ele seja tão careta e monótono quanto eu sou em diversos dias da minha vida convencional.

Sinceramente, acho que talvez isso me deixa aliviado no final de toda essa história. Eu não sou tão ruim quanto algumas vezes acho que sou e ele não é tão bom quanto várias vezes eu imagino que ele seja (juro que eu não imaginava que esse texto viraria no final todo esse rolê relacionado a autoestima e de desconstrução de um “ídolo” e etc).

É interessante perceber o quanto a gente se olha com olhos tão rígidos e criteriosos e olhamos os artistas/famosos que gostamos com olhos tão idealizados. Eles também são seres humanos como nós somos. Quem sabe algum dia eu também farei alguma coisa que me tornará tão conhecido a ponto de inspirar questionamentos e mudanças na vida de pessoas que eu não conheça e que nunca conhecerei. Talvez eu nem queira realmente todo esse reconhecimento e que isso tudo não passa de questões que a indústria do entretenimento martelou (e martela) tanto nas nossas cabeças para que o seu modelo de negócio continue a funcionar.

No final, só me resta pensar o que eu posso fazer de melhor com todos esses pensamentos. Normalmente, eu guardaria tudo para mim e vida que segue. Atualmente, acredito que seja melhor dividi-los com o restante do mundo pela internet, mesmo que ninguém nunca leia isso, como estou fazendo neste exato momento em mais uma epístola hodierna.

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João Victor Campos

Aluno de Jornalismo da UFRJ, apaixonado por vários assuntos e sempre disponível para boas conversas