A mais nova poesia ultrarromântica de Casimiro de Abreu

Os impactos da pandemia da COVID-19 na educação do município fluminense e as expectativas para o ano de 2021

João Victor Campos
9 min readFeb 23, 2021
Estátua do poeta Casimiro localizada na Praça Feliciano Sodré, no centro da cidade

Uma cidadezinha do interior enfrenta dias difíceis com a chegada de uma misteriosa e mortal doença causada por um novo vírus, alterando radicalmente a vida da população. Essa poderia ser a sinopse da nova série de suspense com tons apocalípticos de qualquer uma das empresas de streaming, porém não passa de um resumo da experiência da cidade de Casimiro de Abreu durante a pandemia de COVID-19.

Localizado na Região dos Lagos do Estado do Rio, o município, que tem um pouco mais de 45 mil habitantes e possui um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) considerado alto, tem características de uma boa cidade de interior da região sudeste. É reconhecida pela sua qualidade de vida e pelas suas belezas naturais, possui uma estrutura pública minimamente estável e está a aproximadamente duas horas de distância, de carro, da capital. A cidade tem esse nome em homenagem ao poeta ultrarromântico, que nasceu e cresceu nas terras que hoje fazem parte do distrito de Barra de São João. Com a pandemia, o município ganhou traços cada vez mais parecidos com os dos poemas pessimistas de seu ilustre escritor.

O ano de 2020 tinha tudo para ser mais um com poucas mudanças para os casimirenses, porém essa previsão não durou muito: no dia 12 de março, o município recebeu a sua primeira notificação de um possível caso da COVID-19, que nesta altura do ano, já tinha tomado proporções pandêmicas no restante do mundo. Dois dias depois, veio o decreto municipal que fechava o comércio, as escolas e qualquer outro tipo de estabelecimento que não fosse de atividade essencial. O primeiro caso confirmado também não demorou a aparecer, sendo anunciado no dia 31 de março. Já o primeiro óbito do município ocorreu em pouco mais de um mês depois, no dia 6 de maio.

Com um total de catorze leitos hospitalares, sendo apenas seis semi-intensivos equipados com respiradores, Casimiro de Abreu não possui nenhum leito de UTI. Caso algum paciente esteja em uma situação mais grave, se faz necessária a transferência para outro município que tenha leito intensivo disponível, coisa cada vez mais rara nesses tempos de superlotação do sistema de saúde. Os gastos municipais no setor aumentaram consideravelmente com a falta de insumos médicos no mercado e consequentemente com a alta nos preços, causada pela piora da pandemia a nível nacional.

Pábullo Marinho dos Santos, de 39 anos, é médico veterinário sanitarista e desde 2014 trabalha na Secretaria Municipal de Saúde de Casimiro de Abreu, na seção de Epidemiologia da coordenaria de Vigilância em Saúde e em 2020 foi subsecretário municipal da pasta. Segundo ele, foi montada uma comissão com o prefeito e representantes de cada secretaria, em que dados epidemiológicos eram levados pela equipe de saúde a cada reunião para que as decisões referentes à pandemia fossem tomadas. Dessa comissão saíram os decretos que regeram o cotidiano do município durante o ano passado.

Com a chegada das eleições em novembro, o processo de flexibilização das medidas restritivas adotadas perdeu o controle. Com direito a passeatas cheias e a uma comemoração dos resultados eleitorais com trio elétrico em praça pública, as campanhas políticas fizeram os números de casos confirmados e de óbitos explodirem. Para uma cidade que estava conseguindo retomar à normalidade com uma estabilização dos casos, a rápida piora criou uma nova onda de medo em parte da população. Porém, não durou muito: as festas de fim de ano, acompanhadas do período de férias, são responsáveis pela manutenção da constante alta da doença no início de 2021. “Eu costumo dizer que esse ano de 2020 deveria ter sido riscado do mapa”, lamenta Pábullo. “Os três pilares do município, a saúde, a questão financeira e a educacional, foram atingidos ao mesmo tempo de maneira muito forte.”

Na educação, a situação não foi menos preocupante. Natalia Lyrio Damasceno (35), professora de educação física há mais de 10 anos no Centro Educacional Batista (CEB), uma das maiores escolas particulares de Casimiro de Abreu, é mãe de duas crianças: Miguel (7), que cursou o primeiro ano do ensino fundamental em 2020, e Maria Luiza (4), aluna da educação infantil. Natalia conta que os primeiros meses da pandemia foram desafiadores: “Como explicar para duas crianças que eles não poderiam mais encontrar com os seus amigos e que agora eles teriam que estudar na frente de uma tela?”

Com a alfabetização sendo uma fase essencial na vida escolar, Natalia tinha medo de que passar por esse período de forma remota influenciasse negativamente a educação do Miguel. O caso da Maria Luiza é mais complicado, porque a educação infantil depende do contato do aluno com o professor e com os colegas de classe, para que os conceitos de sociabilidade sejam ensinados às crianças. A mãe conta que muitas vezes o Miguel se cansava das aulas remotas e pedia para não assistir. A Maria só assistiu às aulas porque via o irmão passando pela mesma situação e isso a motivava a estudar. Apesar do complicado processo de adaptação de seus filhos, Natalia considera o saldo positivo, pois o Miguel já consegue ler e escrever graças ao conteúdo ensinado nos anos anteriores. Com relação à Maria, fica a expectativa para 2021, quando ela estará no último ano da educação infantil, que vai prepará-la para a alfabetização.

Como professora, o desafio foi maior. A “linha de frente” da educação dependia dos alunos e de suas famílias para que o trabalho fosse feito. As reclamações da maioria dos professores durante esse período pandêmico são recorrentes: ausência dos alunos, turmas em que a participação é quase inexistente, câmeras fechadas, avaliações ignoradas. “Cheguei a receber mensagens de aluno no WhatsApp em plena madrugada”, conta a professora. Se os problemas apareciam, a tecnologia foi uma grade aliada, quando bem utilizada. Com os alunos que compraram a ideia do ensino remoto, Natalia utilizou o momento para inovar nas suas aulas, com vídeos e slides, conseguindo trabalhar melhor o conteúdo teórico da disciplina.

O clima nas diretorias é um misto da sensação de dever cumprido e de apreensão com as perdas sofridas. Para Mairy Cardoso da Mota Bastos (56), diretora pedagógica do CEB, no quesito técnico nunca se teve um processo educacional tão ajustado entre a família e a escola como em 2020, pois as famílias descobriram o tempo de aprendizado de seus filhos. Ao perceber que o retorno presencial das aulas não iria acontecer rapidamente, a escola adotou diversas ações para estreitar os laços com as famílias em casa, realizando lives temáticas, muitas delas musicais, para que os pais pudessem assistir com seus filhos.

Para que as medidas que a escola adotou funcionassem, a família precisava se fazer presente no cotidiano escolar. Porém, nem todas puderam, ou quiseram, participar dessa empreitada. “A gente percebeu que muitas (famílias) não valorizam a educação”, diz a diretora. Com a flexibilização, muitos pais voltaram a trabalhar presencialmente e, consequentemente, os filhos ficaram sozinhos em casa, muitas vezes sem suporte para qualquer tipo de problema que acontecesse durante os seus estudos. Com isso, o rendimento de diversos alunos começou a cair bruscamente. Para tentar resolver a questão, a escola apostou em reforço presencial funcionando em modelo de rodízio entre os alunos com as piores notas, com autorização dos responsáveis. Segundo Mairy, essa ação emergencial impediu que o ano letivo de vários estudantes fosse ainda pior.

Com a paralização das aulas presenciais e a crise econômica ampliada pela pandemia, o setor financeiro do CEB ligou o alerta vermelho. Mesmo com os incentivos oferecidos nas mensalidades, muitas famílias não conseguiram continuar pagando e algumas tiveram que pedir a transferência de seus filhos para escolas públicas, o que refletiu na arrecadação do colégio. Dos 148 funcionários contratados em março de 2020, somente 104 continuam na escola em 2021. O número de matrículas do novo ano letivo também caiu consideravelmente: somente um terço do alunato renovou. “Nós hoje, pedagogicamente falando, temos frutos. Mas, administrativamente, estamos sofrendo com os altos prejuízos”, diz Mairy.

Angela Vianna de Carvalho Martins (47), diretora pedagógica do Centro Educacional Coração de Jesus (CECOJ), conta que a situação por lá também é complicada. Passado o confuso primeiro bimestre de 2020, a escola liberou contratualmente as famílias do maternal e diminuiu a carga horária das aulas síncronas dos primeiros anos do Ensino Fundamental para que os alunos não se sentissem tão cansados. Nas turmas da metade final do Fundamental e do Ensino Médio, que já estavam mais adequadas ao meio virtual, o número de aulas aumentou para que o conteúdo pudesse ser dado com mais calma. Problemas clássicos como a cola em avaliações e exercícios também se potencializaram no meio virtual. A frequência por parte dos estudantes foi muito baixa, principalmente no Ensino Médio, porque vários deles sabiam que não poderiam ser reprovados no regime remoto. “Tivemos alunos que não participaram de nada durante todo o ano. Houve turmas como o terceiro ano (do Ensino Médio) em que aproximadamente só 15% dos alunos estudaram”, diz Angela.

Como esperado pela diretoria financeira do colégio, a baixa arrecadação obrigou que medidas fossem tomadas: O CECOJ realizou duas demissões e reduções salariais ocorreram no corpo docente. Para 2021, as expectativas não são as melhores: Não terá educação infantil, pois a maioria dos pais já comunicaram que não renovarão as matrículas e, nos demais seguimentos, o número de alunos despencou. A diretora conta que a escola está ligando para cada família, marcando reuniões, com o intuito de manter parte dos estudantes.

Se a educação privada está doente, a educação pública sobrevive respirando por aparelhos. Renata Neves de Miranda Inácio (35), é professora da rede municipal de Casimiro e atuou no último governo como diretora do Departamento de Ensino da Secretaria Municipal de Educação. Ela conta que, na rede pública, o clima constante de insegurança aumentou quando o desencontro de informações começou acontecer: o Conselho Nacional de Educação não se pronunciava e o MEC também não. A Secretaria de Estado de Educação muito menos. A solução encontrada foi pesquisar como as outras redes municipais estavam lidando com a situação, contando com apoio do Instituto João e Maria Backheuser, instituição sem fins lucrativos que investe na educação do município.

A adequação ao ensino a distância não foi fácil. Alguns professores não se adaptaram ao modelo online, por não terem costume de utilizar os meios virtuais ou por não terem o equipamento tecnológico necessário. A mesma coisa aconteceu com os alunos: muitos não tinham acesso. O ensino remoto foi adotado mesmo sabendo que não seriam 100% dos alunos que teriam acesso, para que as desigualdades educacionais não aumentassem mais. “Não tinha como deixar 7.053 alunos sem acesso nenhum à educação”, diz Renata.

A tomada das decisões por parte do colegiado responsável foi árdua, já que nada acontece de um dia para o outro na rede pública. O plano educacional municipal teve que ser replanejado várias vezes para se adequar às diretrizes nacionais e estaduais. Situações como a questão dos direitos de imagem precisaram ser solucionadas com a maior rapidez possível. Grupos nas redes sociais foram criados para que as escolas conseguissem se comunicar diretamente com os responsáveis e, com o passar do tempo, a prefeitura fechou parcerias com empresas para auxiliar no ensino — como a Google, que disponibilizou a plataforma G Suite for Education sem custos. Para os alunos que moram nas zonas rurais e não têm acesso à internet, foram disponibilizadas apostilas impressas nas escolas para que as famílias, muitas com pais analfabetos, realizassem o ensino em casa. Além disso, foram distribuídas cestas básicas com alimentos e material escolar. A burocracia nos processos de licitações impediu ações como a compra de equipamento tecnológico para os alunos que não possuíam.

O ano letivo de 2021 já está parcialmente decidido: em reunião realizada dia 18 de janeiro, com as diretorias das redes pública e privada da cidade, a nova equipe da Secretaria Municipal de Educação comunicou que até julho, as escolas deverão funcionar somente com o modelo remoto. Se até a data estimada, o panorama epidemiológico do município não mudar, provavelmente as medidas restritivas serão estendidas por mais tempo. A permanência no ensino a distância não agradou os representantes dos colégios particulares, que, em 25 de janeiro, começaram, nas redes sociais, a campanha “#unidospelaeducação” em favor do retorno das aulas presenciais. Uma volta ao modelo convencional, sem que as medidas de distanciamento social sejam rigorosamente cumpridas e que a maioria da população esteja vacinada, pode colocar em risco as vidas dos alunos, de suas famílias, dos professores e dos demais profissionais envolvidos.

A vacinação começou em Casimiro de Abreu no dia 20 de janeiro e está seguindo as diretrizes nacionais. Segundo a chefe do departamento de Imunização da Secretaria Municipal de Saúde, Magna Rosa Miranda (51), toda a rede de equipamentos necessários para o armazenamento e transporte das vacinas foi atualizada. Entretanto, isso não indica que o final da pandemia esteja tão próximo assim. Ser vacinado não significa estar livre para viver como nos tempos pré-pandêmicos, pois as medidas preventivas precisam continuar até que a imunização chegue para a maioria da população. Magna diz que mesmo com as boas expectativas para o ano, os casimirenses deverão ter cautela: “2021 vai ser um ano que ainda precisaremos tomar muito cuidado.”

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João Victor Campos

Aluno de Jornalismo da UFRJ, apaixonado por vários assuntos e sempre disponível para boas conversas