“Tá faltando show no Rio?”

Um panorama sobre as dificuldades de frequentar e fazer shows na Cidade Maravilhosa, além de possíveis explicações para o cenário atual da indústria do entretenimento musical carioca

João Victor Campos
8 min readMar 20, 2020

Beatriz Silveira (Niterói, 25 anos) é recém-formada em Engenharia de Produção pela UFF, mora em Casimiro de Abreu e trabalha em Macaé, duas cidades do interior do Rio de Janeiro. Desde sua adolescência ela acompanha a cantora Taylor Swift e sonha em assistir a um show dela ao vivo, mas há anos a artista pop não vem em terras brasileiras. O anúncio de um futuro show da americana em 2020 reacendeu a esperança de Beatriz de finalmente realizar um de seus sonhos, porém com muito mais empecilhos do que esperava: o show será em São Paulo, a aproximadamente 559 km da sua casa.

Beatriz fazendo as contas para conseguir ir ao show em São Paulo

A distância não é a única barreira entre ela e o show: o irmão dela vai casar no mesmo dia, 18 de Julho, jogando por terra a possibilidade de sua ida ao concerto. A partir da divulgação de uma data extra no dia seguinte, 19, Beatriz já começou a fazer seus cálculos e planejamentos para conseguir estar presente nele. “Vai ser uma ida extremamente complicada para mim. Sair do casamento do meu irmão no interior do estado para conseguir pegar um avião na capital vai ser desgastante e cansativo. Isso sem falar do fato de eu ir e voltar de São Paulo praticamente no mesmo dia, chegando poucas horas do show e voltando logo após o término, afinal, eu trabalho em Macaé no dia seguinte. Agora junta isso ao custo de ir para um outro estado e ao preço do ingresso. Complicado”, disse Beatriz.

Esse é somente um dos diversos casos de moradores do Rio que se deslocam do estado para outros em função de conseguirem assistir a algum show desejado. A cidade do Rio de Janeiro sempre foi uma das capitais culturais do país e um ponto de parada certo das turnês mundiais dos mais variados artistas. Entretanto, por que alguns artistas grandes como a Taylor Swift continuam não vindo a cidade com os seus shows?

Segundo Guilherme Guedes (Brasília, 32 anos), jornalista musical e apresentador do canal de TV Multishow, há uma diminuição no número de shows que ocorrem no Rio e diversos são os fatores para que shows internacionais não venham à capital carioca. “Eu cheguei aqui em 2013 e existiam, na época, mais opções culturais, tinham mais shows, tanto de artistas nacionais quanto internacionais, vindo para o país. De lá para cá, deu uma baixada e o Rio é uma das maiores cidades do país, era a capital antes de Brasília, é uma cidade conhecida no mundo todo e por que isso acontece aqui? Acredito que tem muito a ver com a política de segurança, política social… Política pública. Nacional e estadual aqui no Rio”, explica o jornalista.

Guilherme Guedes nos bastidores do Rock In Rio 2019 — reprodução: Instagram

“É uma cidade que tem uma história cultural incrível, uma cidade que deu origem a bossa nova e ao funk… E, de repente, eu me pego tendo que ir para outras cidades para assistir a um show de um artista internacional e é uma pena porque o Rio tem toda a estrutura e as condições. A realidade é que o público tem dificuldade. As pessoas aqui no Rio tem medo de sair de casa pela questão da violência, é um dinheiro em ingresso, em transporte e dentro do evento se gasta muito para conseguir beber, comer e tal. É um investimento muito grande para você ir em um show. No momento de crise financeira e da própria cidade, acredito que a primeira coisa que as pessoas cortam dos gastos é cultura e entretenimento. As pessoas precisam pagar um monte de conta, e não vão gastar 200 reais em um ingresso ou coisa assim. E 200 reais eu estou sendo bonzinho porque tem ingresso que custa três, quatro vezes isso”, afirma Guedes ao tentar explicar as razões para a baixa quantidade de shows em comparação a São Paulo, por exemplo.

A violência, citada pelo apresentador brasiliense, e a questão do transporte são os fatores mais importantes na hora de decidir a ida em um show para a estudante universitária Carolina Torres (Rio de Janeiro, 19 anos), que costuma a frequentar shows nacionais e internacionais. Ela também reclama sobre o preço dos ingressos e dos locais: “Eu sou estudante e nem sempre dá para ir porque a conta não fecha. A situação piora quando o show é na Barra da Tijuca e a maioria dos internacionais tem sido por lá. Eu já cheguei a pagar mais para ir e voltar do que no preço do ingresso só porque era muito longe de casa. Show costuma acabar tarde e os preços dos táxis e Uber aumentam muito. Tudo isso me desmotiva a ir.”

“O Rio depende muito dos grandes festivais, como o Rock In Rio, para os shows internacionais. A cidade consume muito música que é feita na própria cidade. Nem todos os shows que esgotam em São Paulo”, diz Silvio Essinger, (Rio de Janeiro, 48 anos) repórter e crítico musical do Segundo Caderno do jornal O Globo. “Um artista que vem ao Brasil, ele prioritariamente vai passar por São Paulo. O Rio não é mais um das cidades brasileiras preferenciais por diversas questões. Muitos shows internacionais não se pagam aqui por causa do público. Não existem tantos espaços médios para realização de shows, só espaços pequenos e grandes. Tirando os grandes fenômenos pop mainstream, as demais cenas não costumam ter tanto público no Rio de Janeiro”.

Palco Sunset do Rock In Rio 2017 — reprodução: Instagram

Outro ponto levantado por Essinger é que o público carioca é um público muito fechado em seus próprios artistas: “O Rio é muito fechado na sua própria música: nacional e estadual”. Um estudo feito pelo jornal Folha de São Paulo comprova essa visão a nível nacional. Utilizando listas de sucessos musicais do mundo todo, na plataforma de streaming Spotify, a pesquisa do DeltaFolha mostra que canções que chegam ao topo das paradas e playlists no Brasil tendem a não aparecer como hits em outros países. Por essa métrica, os ouvintes brasileiros são os mais isolados, considerando os 51 países estudados. A análise abrange o período entre janeiro de 2017 e junho de 2019. Conclusões semelhantes foram encontradas em levantamento com dados do YouTube: brasileiro gosta de música brasileira.

Se o cenário de shows internacionais no Rio não vai bem, o de shows nacionais continua forte. O músico Gustavo Almeida (São José dos Campos, 22 anos) sabe bem as dificuldades de fazer shows na capital fluminense. “Se você não conhecer as pessoas certas, dificilmente você conseguirá tocar nas casas de show cariocas.” Almeida, que também é estudante de jornalismo na UFRJ, diz que geralmente vai a entre dois ou três shows por mês. E as reclamações comuns voltam a aparecer: “Faltam espaços médios para a realização de shows, muitas vezes os shows são em locais de difícil acesso para a maioria da população, existem poucos festivais nacionais na cidade e quando eles acontecem, são mais caros do que nas demais capitais do país. Como artista, os principais problemas são a falta de locais adequados e de receptividade do público carioca. As bandas de outros locais lutam muito para criar um nome aqui. Isso é algo engraçado, porque, tirando os nomes famosos do pagode, samba e funk, poucos são os artistas cariocas que conseguiram alcançar o sucesso mainstream em todo o país.”

Segundo o programador de shows do famoso Circo Voador, o Alexandre Rossi (Rio de Janeiro, 47 anos), também conhecido pelo apelido de Rolinha, o público carioca realmente é um público diferente dos demais. “Aqui as pessoas vão aos shows pelo ‘hype’ (gíria em inglês utilizada para definir algo que está sendo muito repercutido). A maioria do público que frequenta shows é entre 16 a 35 anos. Então imagina que você é um jovem, chega o final de semana e muitas vezes não se tem nada para fazer. Mas, você ouve de um amigo que ele vai em um show daquela banda que tem aquela música que fez sucesso e com isso, você anima de ir somente porque os seus amigos vão. Ninguém quer ficar de fora do ‘rolê’.”

Entrada do Circo Voador, localizado no bairro da Lapa — Foto: Divulgação

Rossi comenta que a sua vasta experiência sendo programador do Circo durante os anos o fez entender qual é a melhor maneira de fazer um show no Rio de Janeiro: “Os produtores e empresários internacionais não sabem como funciona a cidade. Eles possuem São Paulo como parâmetro ou até outras capitais mundiais e isso é certeza de show que não se paga. Tem banda que vende mais de 30 mil ingressos em Londres, vende 5 mil em SP e que não vai colocar nem 2 mil pessoas no Circo, então não dá para esperar o mesmo lucro com um show aqui. O The 1975 no abril passado foi assim (se referindo ao show realizado pela banda inglesa que mistura pop alternativo com rock no dia 4 de Abril desse ano).

Ao ser perguntado sobre como a crise econômica do país tem afetado a casa de show, Rolinha disse que a política de preços acessíveis protegeu o Circo Voador de sentir grandes impactos em sua bilheteria. “O nosso preço médio é 40 reais pela meia entrada. Não é um valor alto para o público em geral. O esquema de divisão de bilheteria, em que a produção do artista fica com uma metade dos lucros e o Circo com a outra, aliado com a criação da meia entrada social, fez o nosso público se manter o mesmo, praticamente. Claro que houve uma diminuição, mas foi muito pouca para falar que estamos sendo afetados pela crise.”

“Não penso que o número de shows no Rio tenha diminuído, nem no cenário nacional, nem no internacional. Falo isso como uma pessoa que trabalha com isso há anos. Se eu abrir a agenda aqui do Circo pelos anos, dá para perceber como a frequência de shows aumentou ao invés de abaixar. Para melhorar a questão das atrações internacionais, falta ‘tato’ por parte dos produtores. Assim que eles começarem a entender melhor o público do Rio, talvez mais artistas comecem a vir para a cidade”, explicou Alexandre. “Acredito que a agenda de 2020 tem tudo para ser ainda mais cheia de shows do que 2019”. Que assim seja, para a alegria do público carioca.

Reportagem feita em Novembro de 2019 como trabalho final para a disciplina Reportagem I

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João Victor Campos

Aluno de Jornalismo da UFRJ, apaixonado por vários assuntos e sempre disponível para boas conversas